terça-feira, 11 de setembro de 2012

Na alma da personagem

Maria Padilha
Na alma da personagem


A peça “A Escola do Escândalo”, de Richard Brinsley Sheridan foi encenada pela primeira vez em 1777, mas continua atual por tratar de temas como a ascensão social rápida e a maledicência sobre a personalidade alheia. Com mais uma tradução e adaptação de Miguel Falabella, o espetáculo que está no Teatro Raul Cortês consegue manter a aura da época, mas com uma embocadura brasileira e atual. Em entrevista ao  Guia de Teatro a atriz Maria Padilha fala do espetáculo e da personagem Rosália Atiça, vivida por ela no palco, com muita sensibilidade e humor. 

Guia - Como é reproduzir hoje, um espetáculo do século XVIII?
Maria - Na verdade, ninguém sabe direito como essas pessoas viviam. Nós não temos filmes, só retratos pintados, e não sabemos exatamente qual é a fidelidade disso. Nós temos registros históricos, mas não dá para fazer uma reprodução fiel, porque, senão, nem tomaríamos banho, pois, para começar, eles quase não tomavam banho. Ninguém se aguentaria em cena (risos). Quando colocamos essas roupas, essas perucas, nós já ficamos com um andar e uma postura um pouco diferentes. Não é como sair por aí de tênis e com o cabelo voando ao vento. Eu, quando me aproximo de um personagem, tento compreender a sua alma. Tento entender a alma da personagem e não pensar que ela é do século XVII ou XVIII. Para mim, ela poderia ser uma personagem de hoje. Mas é claro que ela ter um leque na mão, uma peruca, uma saia, tudo isso vai dar um gestual diferente. Mas eu não busco isso em primeiro lugar. Eu procuro primeiro entender quem ela é e quem ela seria hoje.

Guia - E quem é a sua personagem?
Maria - O nome da personagem na nossa montagem é Rosália Atiça, mas em inglês ela nem tem o primeiro nome. Ela é chamada somente de “Lady Teazle”. Na nossa versão, os nomes sempre querem dizer alguma coisa. “Atiça” quer dizer “provoca” no sentido de brigar, de ser provocante. Ela é uma camponesa que se casou com um fidalgo e que se deslumbra com a sociedade, com a aristocracia, porque ela saiu da roça. Ela é uma roceira e fica deslumbrada com essa possibilidade fácil do consumo, de gastar o dinheiro do marido. No começo da peça eles já estão às turras, porque ela gasta o dinheiro dele com tudo. Ela inferniza a vida dele. Mas agora ela já tem um novo alvo, uma nova meta, que é subir mais nessa sociedade. E para isso, ela acha que precisa arranjar um amante para estar na moda, porque essa era uma época muito libertária. Era a época de Marquês de Sade, de Casanova, de Choderlos de Laclos. A Escola do Escândalo é quase uma “Ligações Perigosas” da chanchada porque ela tem todo aquele clima de tramas, de sexualidade, mas com muito humor. A Rosália tenta ser pérfida, mas acaba também tropeçando porque, na verdade, ela não é essa pessoa. E ela é divertida por isso, é meio patética, engraçada.

Guia - A peça permeia a traição, fala da traição, mas ela acaba por não acontecer. O que mais interessa no espetáculo é fazer um retrato daquela sociedade?
Maria - Sim. A traição, na verdade, acaba por não acontecer na peça porque ela resiste. Porque ela tem os princípios dela. Um resquício da educação que ela teve no interior. E ela até diz na peça que o que ela queria era um amor platônico. A moda naquela época, naquela sociedade, era ter um amante só para poder dizer “eu tenho um amante”. E ela, no fundo, por mais que pareça louca, é a heroína da peça, embora a peça não tenha protagonistas. Eu acho que o autor não deixaria a heroína dele chegar aos “finalmentes”. Ela passa por toda a tentação, mas, no final, se endireita. Ela é punida (por sinal ela é a única personagem que é punida na peça. Todos fazem miséria, mas só ela é punida.) Mas o autor criou um epílogo genial, quando ela toma satisfações com ele (autor). Porque só ela foi punida e todo mundo se deu bem?

Guia - E a questão da fofoca, da maledicência, tem um eco muito grande na nossa época, na nossa sociedade. Isso acaba por ser muito atual.
Maria - Isso foi uma coisa que puxou eu e o Miguel para querermos montar esta peça. Hoje em dia a pessoa nem precisa mais ser pública para ser vítima da maledicência. Entrou numa rede social, já tem alguém falando mal. Saiu em uma foto, já tem um comentário anônimo acabando com ela. E a peça brinca muito com essa questão do anônimo. Tem essa coisa da carta anônima. E essa coisa do anônimo que a internet criou é assim. Qualquer pessoa pode chegar lá e falar o que quiser, de quem quiser, como quiser, da maneira mais grosseira possível, que ela está protegida. E isso, de repente, vira uma verdade para alguns. Mas a gente tem que ter senso de humor porque a partir de agora nós caímos todos em domínio público (risos). Estamos todos no domínio público.

Guia - No século XVIII esta e outras tantas peças eram vistam como um entretenimento, como diversão. Hoje, quando se retoma esses textos, se fala muito em fazer arte.
Como você vê essa relação da arte com o entretenimento nesta montagem?
Maria - Tudo o que é arte eu vejo como uma coisa boa, mas eu acho que as pessoas, às vezes, confundem cultura com coisa chata, datada, velha. Eu acho que quando você pega uma peça dessas, ou um Shakespeare, ou um Tchekhov, você tem que contar da sua maneira. Não existe uma maneira certa. O que existe é o seu jeito de ver. É a primeira vez que esta peça é montada no Brasil. O Miguel Falabella traduziu e adaptou a peça e ao fazê-lo, já colocou uma embocadura brasileira nos diálogos. Nós não queremos que pareça que estamos fazendo um teatro inglês. Se nós tivéssemos uma tradição maior de teatro, uma tradição mais longa, essa peça poderia ter sido escrita no Brasil. É que a tradição de teatro no Brasil começa mais no século XIX com Martins Pena, Arthur de Azevedo. Os nomes desta peça foram todos traduzidos. Nós tiramos os “Lady`s” e os “Sir`s” e passamos para “Comendador”, “Dona”,  porque o Richard Sherindan era muito popular na época, como Shakespeare, como Molière, e nós quisemos trazer essa coisa popular para cá. Eu não acredito muito num teatro que não tenha comunicação. Não que você tenha que fazer besteiras, apelar, trair o espírito do autor, mas nós tentamos ser fiéis ao máximo a esse espírito mantendo a comunicação com nosso espectador. Estamos fazendo aquilo que gostaríamos que o Sheridan visse. Eu acho que quando o teatro se comunica com o público, aí sim ele se torna uma expressão artística, porque se ele não se comunica, ele não está acontecendo como expressão artística. Senão é melhor irmos ao museu, ver fotos, ver quadros. Nós queremos que a platéia se identifique rápido com a peça porque era assim que acontecia na época. Senão nós montaríamos uma peça brasileira. Se essa peça não se tornar brasileira não tem sentido montá-la.

Guia - Você está envolvida em mais algum projeto?
Maria - Dia 8 de agosto eu vou para o Festival de Gramado. Vai passar um filme que eu fiz, do grande diretor pernambucano Paulo Caldas. Além de mim, no elenco tem o Fábio Assunção, o Gabriel Braga Nunes, a Fernanda Vianna e uns atores pernambucanos interessantérrimos. O filme chama “O País do Desejo”. Nós filmamos em Recife. Eu acabei de gravar também um episódio da “Grande Família” que vai chamar “Os Diferenciados”, onde eu faço a presidente da Associação de Moradores do Leblon, uma mulher enjoadíssima que chama a Nenê de suburbana, mas que quando vai para o subúrbio cai no churrasco e no samba. Ficou muito engraçado. Vai ao ar em breve.

A Escola do Escândalo
Teatro Raul Cortêz
R. Dr. Plinio Barreto, 285
Bela Vista - Tel: 3254-1631.
Sex, 21h30. Sáb, 21h.
Dom, 18h. R$80. Até 18/09.
Classificação: 12 anos.

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