sábado, 28 de dezembro de 2013

''GOSTO DE TRABALHAR, MAS NÃO MUITO''

Jornal/Revista: O Estado de S. Paulo
Data de Publicação: 2/6/1996
Autor/Repórter: Carla França
''GOSTO DE TRABALHAR, MAS NÃO MUITO''
Ex-grãfina da Globo se destaca como o terror dos alunos de "Colégio Brasil'', mas avisa que está só de passagem pelo SBT e que, depois da novela e da turnê de sua peça, quer um pouco de vida inútil

Maria Padilha não está preocupada com a guerra, entre SBT e Globo. Muito menos engrossa o coro dos que se orgulham de abrir o mercado de trabalho em São Paulo. O que importa para a atriz de 36 anos são os papéis que a desafiem, de preferência diferentes dos tipos grãfinas que a tornaram famosa na Globo.
Em Colégio Brasil, às 18h30 no SBT, ela faz a vilã Nair. Terror dos alunos, é a rival do boa-praça Lanceloti (Giuseppe Oristânio), seu amor do passado. A atriz concorda que Nair faz a linha metida a besta. Mas a considera engraçada e menos fútil do que as suas habituais ricaças. Também está no elenco e na produção da peça, O Mercador de Veneza, de William Shakespeare, ao lado de Pedro Paulo Rangel. Em turnê pelo País, diz que tem sido "uma doideira" conciliar as viagens com as gravações em São Paulo e a casa no Rio. Admite que é "meio preguiçosa" e que precisa de "um pouco de vida inútil".

Estado - O que a motivou a trocar a Globo pelo SBT?

Maria Padilha - Nunca fiz contrato longo com a Globo, para não ficar presa. Quando Roberto Talma me chamou para Colégio Brasil, fiquei encantada com a Nair. A novela não depende da personagem. Ela pode se aposentar, morrer ou pedir demissão. Fiz um contrato temporário, porque não gosto de fazer uma coisa só por muito tempo. Não saí da Globo para nunca maís voltar. Estou passando pelo SBT, mas não estou vinculada à emissora.

Estado - Na Globo, você ficou de fora de produções cobiçadas como Terça Nobre e A Vida Como Ela É. Tem ressentimento disso?

Maria Padilha - Gostaria de ter feito mas só me chamavam para fazer a ricaça metida a besta. Não tenho nada contra, mas chega uma hora em que dá entojo. E eu gosto de desafios.

Estado - Foi para fugir da repetição que você recusou o convite do Dênis Carvalho para Explode Coração?

Maria Padilha - Dênis tinha dois papéis para mim. Um era o da Vera, que Maria Luiza Mendonça fez. Sem chance: tinha de gravar algumas cenas no Japão e não podia viajar, porque iria fazer a turnê. Do outro papel não me lembro, mas devia ser mais uma grã-fina besta. Quando Talma me convidou, estava exausta, pois a peça é longa, difícil. Combinei que gravaria de segunda a quarta, para continuar com a turnê e só aceitei porque era o papel da Nair.

Estado - Nair é uma Vilã, mas é metida a besta também.

Maria Padilha - Nair é malvada, pega no pé de todo o mundo, mas é humana. A história vai mostrar isso. A ligação dela com o professor Lanceloti é de amor e de ódio. O texto é um dos melhores que já vi. Nunca me aconteceu de ler e ter ataques de riso. E olha que é um melodrama heavy metal, sem ser piegas. O humor do texto é uma delícia e Nair tem manias muito engraçadas.

Estado - Por exemplo?

Maria Padilha - Ela agora vai cismar que está para morrer. Fora a cisma com a Patagônia. Tudo é motivo para fugir para a Patagônia. Tem os apelidos que ela inventa. Chama os alunos por coletivo de animais: matilha, alcatéia... Chama a professora Júlia de sem-terra, porque ela toma posse do que pertence aos outros. Fico até com a consciência pesada porque aprendi que é importante fazer reforma agrária neste País e acho que estou sacaneando com assunto sério. Mas é divertido.

Estado - Você improvisa?

Maria Padilha - Um pouco. Uma vez, Miss Daisy (Ítala Nandi), professora de inglês, falou: ''I don't believe". Aí, eu soltei: "Minha senhora, pode belivar". Foi engraçado. Mas nem precisa, o texto tem humor de sobra. Edwin Luisi é um palhaço e minha dobradinha com o Giuseppe Oristânio está superafiada. Ele é bom ator e uma pessoa maravilhosa

Estado - Como é trabalhar em produção independente?

Maria Padilha - A diferença é que a novela é um projeto do Talma, tem a cara dele. E o trabalho numa produtora independente não tem instância, burocracia. Qualquer coisa é só falar com o dono. Além do mais, o cenário é quase sempre o mesmo, a escola. Se chove, deixamos de gravar no pátio e vamos para a biblioteca, que é coberta.

Estado -Você está num elenco de jovens, a maioria principiante. Como é contracenar com eles?

Maria Padilha - Há crianças bárbaras no elenco. Uma vez, tínhamos de chorar numa cena. Aí, o irmão repetente despencou no choro de tal forma que até me desconcertei. Os adolescentes também são muito bons, têm formação de teatro. Alguns se destacam mais, mas todos funcionam.

Estado - E quanto à invasão de modelos nas novelas?

Maria Padilha - Para ver na TV, nada contra. Não tenho é a mínima paciência para contracenar com bofé de academia.

Estado - Como foi o começo da sua carreira?

Maria Padilha - Era surfista e nunca pensei em ser atriz. Achava as pessoas do meio chatas, egocêntricas e histéricas. Além do mais, na mentalidade da minha família, tinha aquela coisa de que teatro não era profissão. Fui cursar Desenho Industrial. Um dia, uma prima me convidou para ir a um curso. Entrei em pânico com aquela gente, mas me entusiasmei.

Estado - Quando você se descobriu atriz?

Maria Padilha - Em 79, quando eu, Miguel Falabella, Daniel Dantas, Zezé Polessa e mais algumas pessoas fizemos a peça O Despertar da Primavera. Foi um sucesso e a gente até ficou conhecido como "o pessoal do despertar". Até hoje, eu e Falabella somos amigos. Em 80, me chamaram para a novela Água Viva, também dirigida por Talma.

Estado - Você não gostaria de estar no elenco da primeira novela escrita por Falabella, Salsa e Merengue, a próxima das sete na Globo?

Maria Padilha - Claro. Nós já conversamos sobre isso. Ele tinha até um papel que, só para variar, era de vilã rica. Pena, mas não vai rolar. As gravações começam em agosto Ainda estarei em Colégio. Fica próxima.

Estado - Difícil conciliar Colégio Brasil com a turnê?

Maria Padilha - Sou preguiçosa e sofri para tocar os dois trabalhos simultaneamente. Moro no Rio, as gravações novela são em São Paulo e eu viajando pelo País inteiro. É doideira viver fazendo mal as com roupas para todo tipo de clima. Sou muito fresca. Mas, felizmente, a temporada da peça já está no fim.

Estado - Você fresca em que sentido?

Maria Padilha - De ser preguiçosa mesmo. Em O Dono do Mundo, via a Fernandona (Fernanda Montenegro) gravando a novela e viajando com a peça Dona Doida. Me dava preguiça só de pensar. Mas resolvi tomar vergonha, deixar a frescura de lado e não me acomodar. Estado - E resolveu virar produtora. Chegou posar nua na Playboy para bancar espetáculo em 93. Agora, produz O Mercador, não precisou posar nua.

Maria Padilha - Agora já consigo patrocínio. Era minha estréia na produção, a peça não ia sair se não fosse o cachê da revista. Foi hilário. Meu único dilema era contar para o papai. Liguei pra ele. Falou que não achava legal, mas como nunca comprava essas revistas, não iria me ver. O mais engraçado aconteceu depois: ele falou para minha irmã que ficou aliviado ao saber que era aquele o assunto sério que eu tinha para tratar com ele.

Estado - Você se mantém próxima da família?

Maria Padilha - Não tenho dado muita atenção a eles. Falta tempo, juro. Outro dia, cheguei em casa e tinha um recado do meu pai, todo choroso, na secretária eletrônica. Desabei. Sou a caçula e minhas duas irmãs são 12 e 14 anos mais velhas. Minha mãe morreu quando eu era pequena

Estado -Você não é de falar muito da sua vida afetiva. Por quê?

Maria Padilha - Não tenho problemas com isso. Fui casada duas vezes. A primeira, aos 19 anos, com o ator Paulo Reis. Depois, com o poeta Geraldo Carneiro. Tive namoros longos. O último foi com o ator inglês Adam Kotz. Durou um ano e meio. Foi legal, mas a distância nos separou. No inicio, a gente viajava para se encontrar, mas chegou uma hora em que só namorávamos por telefone e fax. Aí não deu.

Estado - A montagem da peça foi influência dele?

Maria Padilha - Totalmente. Fui para a Inglaterra fazer um curso e com a intenção de montar lá Vestido de Noiva, do Nélson Rodrigues, e uma peça inglesa aqui. O Adam ia dirigir a peça aqui, mas não rolou. A peça do Nélson também acabou na gaveta.

Estado - E filhos, você tem vontade de ser mãe?

Maria Padilha - Primeiro tenho de arranjar um pai. Gostei quando vi a Kim Basinger ser mãe aos 42 anos. Isso significa que ainda tenho seis anos pela frente.

Estado - Você é emotiva?

Maria Padilha - Sou muito engraçada. Quando fico cansada, das duas uma: ou caio na choradeira ou tenho ataque de riso. Gosto de trabalhar, mas não muito. Eu e Giuseppe fomos no programa da Hebe, que adoro, mas eu parecia um zumbi. Tinha virado a noite. Estava em São Luís com a peça, o vôo atrasou 17 horas. Cheguei em casa e desabei.

Estado - Projetos para depois da novela?

Maria Padilha - Minha terapeuta está me chantageando. Disse que só vai me tratar se eu tirar férias. Não digo que dessa água não beberei, vai que pinta um trabalho legal... Mas estou precisando de um pouco de vida inútil.

Estado - Como carioca, é estranho viver em São Paulo?

Maria Padilha - Odeio a avenida Juscelino Kubitschek. O flat em que morei era ao lado de uma construção. Saía a cama com mau humor. Um dia cheguei da ginástica toda suada e a água havia acabado. E, numa boa, a freqüência era meio duvidosa. Agora, as pessoas em São Paulo são educadas e respeitam o trabalho.

Estado - Depois de Sábado, do Ugo Giorgetti, você atuou em algum outro filme?

Maria Padilha - Fiz Os Matadores, do Beto Brandi. Foi tão bem feito que até parece cinema. Faço uma piranhona, a mulher do chefão dos matadores (Chico Diaz), que tem um monte e amantes. Ela é uma ricaça meio bregona, tipo Sula Miranda, com todo o respeito.

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