Estou brincando há muito tempo de inventar, e sou a mais bela invenção que conheço.
A escritora Maura Lopes Cançado nasceu em 1929 na cidade de São Gonçalo do Abaeté em Minas Gerais. Em seus primeiros anos foi saudada nos meios literários como uma grande promessa, que infelizmente não se cumpriu. Diagnosticada com esquizofrenia, ela passou por diversos sanatórios e clínicas psiquiátricas, viven- ciando o horror dos métodos de tratamento da época. Durante uma de suas crises mais agudas, matou uma paciente e foi detida em um manicômio judiciário. Tentou algumas vezes o suicídio e suas crises culminaram numa processo de cegueira progressivo e irreversível. Vinda de uma família rica e importante de Minas Gerais, Maura morreu esquecida em 1993. No entanto, nos úl- timos anos a sua obra está sendo redescoberta no meio acadê- mico e literário. E é justamente essa redescoberta que parece reposicioná-la como uma das grandes escritoras brasileiras.
Hospício é Deus é um relato autobiográ co que Maura escreveu enquanto estava internada. Suas re exões sobre a natureza hu- mana, sobre o mundo e religiosidade impressionam pela impe- cável qualidade literária. A artista, escrevendo talvez como uma profunda necessidade de conexão com o mundo, relatou sua vida com uma boa dose de cção. E aí reside a maestria de sua escrita. Quando escreve, Maura nos convence de que está falan- do sobre sua realidade. Mas basta o contato com quem conviveu com ela no Jornal do Brasil para descobrirmos a profunda mon- tagem inventiva que é sua autobiogra a. Ou seja, Maura é uma criação de si mesma, um personagem de sua própria obra. Por isso mesmo, Hospício é Deus não é somente um diário, mas uma obra de cção.
Como ela mesmo escreveu: “Não é, absolutamente, um diário íntimo, mas tão apenas o diário de uma hospiciada, sem sentir-se com direito a escrever as enormidades que pensa, suas belezas, suas verdades. Seria verdadeiramente escandaloso meu diário íntimo.”
Nosso projeto de adaptação para o teatro de Hospício é Deus pre- tende, antes de tudo, contar a história de vida dessa mulher com- plexa, atormentada e criativa. Uma personagem fascinante com uma visão de mundo bastante peculiar, mas que fala a todos nós sobre temas de interesse coletivo. Transpor para o palco o jogo entre cção e realidade (característica de sua obra) é também um poderoso instrumento para re etirmos sobre nossa ideia de memória, fato e cção sem perder a pertinência das ideias de Maura, estas bastante concretas e fascinantes.
A montagem de Hospício é Deus pretende divulgar a vida e obra dessa importante artista brasileira através de um espetáculo provocador e inventivo como a psique de nossa protagonista. Para tanto, o projeto pretende ser um monólogo, livrando-se do caráter didático na reprodução de vários personagens para se tornar uma vibrante jornada pela mente da artista.
Dirigida por sergio Módena, a montagem terá a atriz Maria padiLha como Maura, ora narrando, ora interpretando os seus momentos mais marcantes. Na adaptação, feita pelo dramaturgo newton Moreno, o tom confessional não abandona a manipulação da narrativa, elaborada por alguém que via o mundo de maneira própria. Ao optar por misturar narrativa e ação dramática, o texto evidencia a natureza da obra de Maura, ora revelando as cções, ora revelando os fatos. E, muitas vezes, provocando o público ao deixar para ele essa incumbência, pois sabemos que, mais que os fatos, o que importa são as ideias da escritora sobre o mundo.
A montagem contará ainda com toMás ribas na luz, aurora dos CaMpos na cenogra a, david guiLherMe na trilha sonora original e MarCeLo pies nos gurinos.
Tomara que chegue logo!
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