segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Entrevista - Maria Padilha



Inveja, conflitos e paixão, acrescentados de humor e drama, são alguns dos sentimentos universais presentes na trama de Shakespeare: Antônio e Cleópatra – um amor imortal. Em curta temporada no Palácio das Artes, o espetáculo apresentou a atriz Maria Padilha no papel da protagonista da rainha do Egito, Cleópatra, uma das personagens mais mitológicas da literatura ocidental.
Em sua breve passagem pela casa, Maria Padilha conversou com a equipe do Site Palácio das Artes sobre a peça que, apesar de se passar em Roma Antiga, fornece ao público questões atuais para compreensão do mundo contemporâneo. Além disso, Maria Padilha fala sobre sua atuação como idealizadora da peça, a composição de seu personagem e sua carreira no teatro e no cinema. Veja a seguir!

Você foi uma das idealizadoras da peça, promoveu as leituras. Está em seu quarto espetáculo shakespeariano. Por que investir nos clássicos?
Peter Brook tem uma frase em que dizia “na dúvida, monte um Shakespeare.” Acredito que suas peças têm sempre atualidade. Eu e o Paul Heritage, um amigo inglês, diretor de teatro em Londres, perdemos um amigo no Rio de uma forma brutal, ele levou um tiro no trânsito. Por isso, escolhemos dois textos que falavam de amor em tempos de guerra. De como colocar o nosso afeto em tempos tão terríveis. Um dos textos era Medida por Medida (também de Shakespeare) e outro, Antonio e Cleópatra.
Fazendo as leituras, fui percebendo que Antonio e Cleópatra é um texto muito mais bem acabado. Apesar de que Medida por Medida é interessantíssimo. Então, comecei a me interessar e a ver cada vez mais paralelos com a situação do Brasil, do mundo. Além disso, Shakespeare é um “perigo”, porque te move. Ali existem todas as situações possíveis, políticas, pessoais, por exemplo, a questão do amor maduro. Acredito que todos vão se identificar. Há também a questão da guerra preventiva, oriente contra ocidente. Há muitas situações ali que parecem estar pedindo para serem contadas. É como se nós seguíssemos uma ordem superior, alguém manda e a gente segue.

Segundo Ítalo Calvino, os clássicos são portas abertas para infinitas descobertas. É isso?
Qualquer pessoa que montar essa peça vai descobrir outras coisas que a gente não descobriu, vai encontrar coisas importantes que a gente achou. Há muito o que escolher.

Como fazer fluir essa mediação entre histórias universais e o público?
Do jeito que eu faço, acredito que há fluência. A gente tem que tirar um pouco da “pompa”, porque, na verdade, foram textos escritos para serem populares. Só que, por terem se tornado clássicos, livros de biblioteca, quando as pessoas vão montá-los ficam com excesso de respeito, não se apropriam do texto.
Quando os atores conseguem se apropriar das palavras e aquilo virar uma fala deles e dos personagens, acho que não há barreira. A linguagem ser um pouco diferente não é um problema. É sempre prazeroso ouvir uma peça poética, que o texto é poético. Por exemplo, acho Nelson Rodrigues um clássico também. Ele não escreve um português coloquial. Parece que é coloquial, mas não é. É um texto totalmente poético.

Há no espetáculo a combinação de humor e tragédia. Como isso é feito?
Escolhi essa peça por isso. Quando li, percebi que em momentos trágicos, há passagens engraçadíssimas e vice-versa. Por exemplo, o personagem que dá a cobra para Cleópatra se matar, na penúltima cena da peça, Shakespeare o escreveu como um “clown”, ou seja, um palhaço. Essa mistura de trágico com cômico é uma delícia. Para o ator, é difícil de fazer, mas acredito que é muito a cara da gente, o Brasil é um país tragicômico em todos os sentidos, infelizmente. Quando pensamos que não dá pra ficar pior, vem uma coisa mais “punk”. Mas, ao mesmo tempo, existe uma vitalidade que parece que o país tem uma capacidade de se renovar, de sair do buraco. O Brasil não se deprime.

Humor é também uma forma de ressaltar o trágico, concorda?
Sim, Paulo José (diretor da peça) falava uma frase que é de um teórico, o “humor é a intuição do trágico”. Quantos vezes já fui do riso para o choro? Eu, por exemplo, ri muito no enterro do meu pai. Sou louca por ele, mas quando a situação está muito pesada, vem uma descarga de humor. Shakespeare, nessa peça, não separou em entreatos cômicos, como em Hamlet, que tem o coveiro, ou em Macbeth, que tem o porteiro. Ele mistura tragédia e humor o tempo todo. Cleópatra é uma maluca, quase uma Dercy Gonçalves!

Falando em Cleópatra, o que foi fundamental para compor o personagem, uma figura cercada de mitos?
Eu sempre procuro nos personagens o que eles têm em comum comigo. O que for mais difícil de descobrir, eu estudo. Mas acabo descobrindo que também tinha aquilo, só que não sabia. Acho que nós todos somos um mar de sentimentos de facetas, que, às vezes, nem temos a oportunidade de vivenciar todas. Então, somos muitos personagens. Temos um universo dentro da gente. Eu trabalhei com Cleópatra como eu sempre trabalho. Procurei o que tem em comum comigo. O que não tem eu aprendo, e quando chego lá descubro horrorizada que também tenho traços horríveis e com coragem exponho isso para o público.

O espetáculo tem figurino e cenário luxuosos. Atualmente, esse tipo de produção parece uma exceção. Como lidar com os escassos patrocínios ao teatro?
Na verdade, figurino e cenário foram baratíssimos. Não estamos numa época boa para captação. No Rio, foi um “tal” de descolar madeira, tecido. Nós não compramos um corte de tecido para o figurino. Tudo foi permuta. Além disso, os tecidos que conseguimos são muito teatrais... a peça parece rica, mas foi feita com dinheirinho contado. O Hélio Eichbauer (cenógrafo) conseguiu fazer com simplicidade um cenário que muda muito, há cenas em Roma, guerra no mar... É bom produzir um teatro assim, pois viabiliza. Se gastar muito dinheiro, inviabiliza, gastam-se cinco anos para produzir. Aí, parece cinema.

Parte de sua formação ocorreu no conceituado teatro Tablado, do Rio. O que você prioriza na sua formação como atriz?
Certa vez estava fazendo uma peça com o grupo do Teatro Ipanema - Rubens Correa e Ivan de Albuquerque. Eu era muito garota, tinha 22 anos. Na ocasião, disse a eles que eram meus ídolos e perguntei “o que eu faço para aprender a ser atriz?” Eles me disseram: “faça peças difíceis, personagens difíceis. Trabalhe com atores bons, diretores bons”. Então, acho que a minha escola foram os atores com quem trabalhei, os diretores que me ensinaram. Se eu pensar na possibilidade de atuar em outra peça eu priorizo com quem eu vou fazer, mais até do quê fazer. Parcerias são fundamentais.

Sua preferência parece ser pelo teatro. Como é sua relação com as outras mídias, como o cinema?
Não é bem uma preferência. Nos anos 80, o cinema brasileiro estava meio esquisito. Havia muito resquício da pornochanchada. Então, me chamavam para umas coisas que eu achava meio constrangedoras. Nos anos 90, fiz mais cinema, atuei em Sábado (1995) eOs Matadores (1997). Mas, a partir daí, comecei a fazer muita televisão e não pude aceitar os convites para cinema. E agora, estou voltando. Vou fazer um filme, que não é produção minha, e estou envolvida numa produção também, chamado Amor Sujo. Digo que essa é uma produção do cinema brasileiro, é uma mistura, porque o diretor é pernambucano (Paulo Caldas), o roteirista é paulista (Marçal Aquino), a produtora é mineira (Vânia Catani) e eu, carioca. E tem ainda Seu Jorge e Lázaro Ramos. Estamos tentando começar as filmagens no segundo semestre do ano que vem.
O teatro é mais fácil porque precisa de menos investimentos. Acho que nos anos 90, depois do que se chama “retomada”, surgiram no cinema brasileiro pessoas que eu estou interessada em trabalhar. Pessoas que, inclusive, são da minha geração, de outros estados, que eu não conhecia e que me interessaram. E surgiu até a vontade de produzir filme, como estou fazendo agora: Saens-Peña Estação Final, com o Chico Diaz, meu companheiro de Os Matadores.

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